17 de dezembro de 2008

Nós, a poça d'água

"Imagine uma poça d'água acordando um dia e pensando, "Que mundo interessante este em que me encontro, um buraco interessante, ele me serve direitinho, não? Na verdade, ele me serve perfeitamente bem, só pode ter sido feito para me ter dentro dele!". E essa é uma idéia tão poderosa que, enquanto o sol nasce no céu e o ar se aquece e, gradualmente, a poça vai ficando menor e menor, ela ainda se agarra desesperadamente à noção de que tudo dará certo, porque o mundo foi criado para tê-la dentro dele; assim, o momento em que ela desaparece por completo a pega de surpresa.
Eu acho que isso é algo que nós devemos estar de olho". (Douglas Adams)


Eu espero que vocês vejam essa historinha divertida, criada pelo ótimo Douglas Adams (escritor da série Guia do Mochileiro das Galáxias), como um sério argumento. Um argumento contra a presunção humana, nosso antropocentrismo infundado. Não somos o centro do Universo, não somos uma criação divina, tudo bem. Mas vai mais longe: o que nós temos como certo pode estar longe da verdade, pois a mente humana é falha — e muito.

Uma maçã é gostosa? Talvez para nós, mas ela não é intrinsicamente gostosa. Nossa mente cria a percepção de que ela é gostosa porque ela pode nos ofecerer carboidratos e vitaminas. As flores nos parecem bonitas, mas não podemos dizer que isso é algo universal. Elas assim nos parecem porque a mente humana as considera bonitas. Talvez um jacaré as ignore por completo. Nossa mente foi desenvolvida pela seleção natural e criou mecanismos para que nós fizéssemos as coisas certas para a sobrevivência e procriação, e não que pudéssemos entender o mundo em sua inteireza. Nossa própria visão é apenas um trecho do espectro de freqüências da luz: certos animais vêem coisas que não aparecem aos nossos olhos. O mesmo se dá na audição.

Além disso, nos foi dado um senso de causalidade e finalidade. Os seres fazem certas coisas para atingir objetivos. Isso está na nossa percepção do mundo e está até na nossa linguagem: falamos sempre em termos de causalidade e finalidade, toda língua tem conjunções para isso. Até dizemos que as gorduras são hidrofóbicas (têm aversão a água). Ora, as gorduras não têm nada, pois não agem por vontade própria. Inventamos fábulas onde os objetos materias ganham vida e têm desejos. E inventamos deuses, à nossa imagem e semelhança. Eles têm raiva, têm inveja de que acreditemos em outros deuses, têm compaixão e listas de regras para nós obedecermos. Isso não soa um tanto... humano?

Por tudo isso, queremos que o mundo tenha sido criado com um objetivo, geralmente o de nós ter dentro dele. Assim como a poça d'água ignora a sua desimportância no universo, nós ignoramos a nossa. Além de achar que somos os reis da Terra, queremos achar que o Universo existe por alguma razão que pareça fazer sentido, quando talvez nem haja motivo; nós atribuímos motivos às coisas porque nossa mente foi moldada para isso, não porque essa é a lei do mundo. Nós só absorvemos o trechinho do mundo que nossos sentidos captam e nossa mente ajusta todos esses dados de um modo que foi favorável para os objetivos da nossa jornada evolutiva, não para que tivéssemos ciência e filosofia. Pense no big bang, pense na poça.

29 de novembro de 2008

Enchente(´), egalité, fraternité

Incidente
Sábado, 22 de novembro de 2008, começou a maior enchente da história da região de Santa Catarina e provavelmente do Brasil. Na maior parte do litoral do Estado, onde vive a maioria da população, chovia quase todos os dias há mais de um mês. Eu moro em Joinville, no norte do Estado, e a situação aqui não foi diferente. A água engoliu a cidade: ruas viraram rios e casas foram destruídas; muita gente perdeu móveis, roupas, eletrodomésticos e até a própria moradia. No resto do Estado, já foram confirmadas 109 mortes (em uma semana). Mais de 70 mil pessoas estão desalojadas ou desabrigadas.

Essa catástrofe aconteceu por uma infeliz soma de eventos metereológicos: há uma massa de ar frio sobre o oceano, próximo ao litoral. Existe uma frente fria úmida que vem da Amazônia e ela está presa por causa de uma massa de ar quente que está no Nordeste. A massa oceânica causa ventos anti-horários que jogam a umidade da massa que vem da Amazônia no litoral catarinense. Como temos uma serra separando o litoral e arredores do centro-oeste do Estado, toda essa umidade fica na nossa região, ocasionando toda essa chuva.

Na maioria das cidades afetadas, foram criados postos de coleta de roupas, alimentos, remédios, etc., que vêm funcionando graças às doações e ao trabalho voluntário.


Trabalho voluntário
Ontem eu fui tentar ajudar as pessoas, e eu fiquei impressionado. Um galpão enorme (Expocentro Edmundo Doubrawa), onde milhares (!) de pessoas trabalhavam recebendo as doações, separando roupas e alimentos, criando kits embalados e carregando os caminhões que partiam para os pontos afetados da cidade. Todos lá sem remuneração alguma, dedicando seu tempo e esforço pelo bem comum.

Você entra lá e pergunta para qualquer um: “como posso ajudar?”. Cadastra-se em um minuto e logo alguém te indica onde ser útil. Independente de para onde você vá, qualquer um ao seu lado logo o ensina o que você tem que fazer. Em pouco tempo chega mais gente, e você que estará ensinando a pessoa a ajudar.

Tudo aquilo é autogerido, as pessoas que se organizaram e prepararam. Não existe obrigação nem chefe; cada um faz por vontade de ajudar. Não existe hierarquia; quem está delegando as funções também está trabalhando. Cada um está pensando em como fazer melhor, como ser mais eficiente, então todos dão sugestões. O clima lá dentro é de total amizade, todos se ajudam, alguns brincam e todos se chamam pelo nome (que está no seu crachá). Por trabalhar lado a lado, surge a fraternidade. Também o trabalho é simples: escolher peças, separar comida, carregar os kits para os caminhões. Um pequeno universo com igualdade e fraternidade, baseado na ajuda mútua, sem obrigações.

Enfim, não vou me prolongar. Só isso: doem! doem roupas, doem alimento, doem remédios, doem dinheiro (só para as contas oficiais abertas para tal, pelo governo), doem seu esforço. Além de salvar e reconstruir vidas, é uma grande massagem na consciência.


Fotos, dados

12 de novembro de 2008

Touché

"Educação e religião são duas coisas não reguladas pela lei de oferta e demanda. Quanto menos as pessoas têm, menos querem".

Não sei quem é o autor, mas gostei.

31 de outubro de 2008

A efervescência política na América Latina

De 29 a 31 de outubro (de 2008, ano em que estamos) ocorreu a Cúpula Ibero-Americana XVIII. Uma reunião com os chefes de Estado de quase todos os países da América Latina, além dos de Espanha e Portugal, para discutirem as possibilidades da região.

Foi nela que, ano passado, Chávez recebeu o "¿Por qué no te callas?" que ficou tão famoso. Pois bem, neste ano Chávez não compareceu na reunião que aconteceu em El Salvador, alegando que lá corria risco de vida. Até onde notei (e posso estar enganado, pois não costumo ver televisão), o evento não recebeu a devida atencão da mídia — e eu imagino o porquê.

Apesar da ausência do controverso presidente venezuelano, os vários discursos dos líderes foram tão exaltados quanto os de Chávez, em especial o do boliviano Evo Morales, que atacou todo o sistema capitalista, que "agora que está em crise, pede ajuda para salvar-se à custa dos pobres, explorando o homem e saqueando os recursos naturais". Morales ainda afirmou: "pensar em salvar o capitalismo novamente seria um equívoco".

Além dele, as presidentes do Chile e da Argentina, Michelle Bachelet e Cristina Kirchner discursaram contra o neoliberalismo, apontando tal tendência da economia como responsável pela crise atual, além de defender que a não-intervenção estatal no mercado gera desigualdade social e pobreza.

É notório que as maiores nações da América Latina vêm elegendo presidentes com tendências socialistas. Além dos já citados, podemos incluir o bispo paraguaio Fernando Lugo, o equatoriano Rafael Correa e, é claro, Raúl Castro de Cuba. Se Lula cabe nessa lista, eu tenho minhas dúvidas, mas sabemos que ele é um ex-sindicalista de origem humilde e defensor de ideais da esquerda de longa data.

Essa tendência de esquerdização da América Latina nos remete àquela que ocorria no auge da Guerra Fria, que foi criminosamente barrada pela força bruta dos regimes ditatoriais que se instituíram em vários países, sempre apoiados pelos Estados Unidos. Outra "coincidência": há uma aparente nova corrida armamentista.

A tensão no mundo aumenta com a violência do Exército russo na Ossétia do Sul; os planos imperialistas americanos no Oriente Médio, a reativação da Quarta Frota dos EUA que anda rondando a América do Sul e o sistema antimísseis americano no leste europeu; e o grande investimento que Chávez tem feito em armamentos comprados da Rússia — Chávez é um dos maiores opositores da política externa americana.

Vale lembrar que, agora, os EUA estão voltados à grande crise financeira, que tem sido comparada à de 1929, e às eleições que acontecem na semana que vem. Não é necessário apenas considerar se os EUA planejam intervir na política da América Latina, mas também se eles ainda têm poder para fazê-lo. Estamos presenciando um momento-chave da história da região e do mundo. Quais serão os efeitos da crise no sistema político-econômico global? É esta a queda do império americano? A América Latina vai se unir verdadeiramente em torno do ideal socialista? Se sim, isso é uma boa notícia para o povo americano? Acompanhem os jornais!¹

¹: E duvidem de tudo que eles disserem, é claro. Como eu dizia no início do texto, a mídia não deu atenção aos pronunciamentos de esquerda dos presidentes. É sempre bom buscar informações fora da mídia tradicional. Essas informações sobre a Cúpula foram tiradas da Terra Magazine — não exatamente uma mídia alternativa, mas que cobriu todo o evento. Principalmente aqui.

Morfologias que deveriam ser I

Individualismo: Considerado por alguns o mal do século XXI, a palavra caracteriza comportamento geralmente egoísta, buscando apenas o benefício próprio — de onde recebe o "indi", vindo de "independência" —, mas sem nunca deixar de se apoiar na comunhão dos problemas com o outro — daí o "dual", referente a "dois", ou seja, contrário à unificação das dificuldades para si. Trata-se evidentemente de uma desordem mental, como depreende-se do sufixo "ismo", presente em palavras como "autismo". Aquele acometido pela desordem individualista sofre sérios problemas no neocórtex, área responsável pelo pensamento crítico, o que faz com que o sujeito não perceba as profundas incoerências nas suas atitudes. Dentro de um contexto econômico, o conceito recebe outro nome: "neoliberalismo", que mantém o sufixo para deixar claro que a incoerência decorrente do dano mental é a mesma.

24 de outubro de 2008

A outra mão do mercado¹

Dr. Frankenstein uniu várias partes humanas e criou um terrível monstro que acabou por matá-lo. Se de cientista maluco temos todos um pouco, nosso monstro é a economia mundial, feito com o dinheiro das civilizações antigas, partes do liberalismo francês e a exploração do homem sobre o homem — a moralidade foi deixada de lado, já que poderia atrapalhar tudo.

Vive-se hoje uma silenciosa transição de poder. Os grandes líderes mundiais, que a população imagina em secretas reuniões a tramar esquemas imorais, não são mais altos cargos da burocracia estatal. Junto à Guerra Fria, acabou a Era dos Governos. Os manda-chuvas atuais são os acionistas majoritários das grandes corporações, que têm um só objetivo: lucro.

A subordinação dos valores morais à racionalidade econômica é gritante quando analisamos fatos como as guerras americanas ao Iraque, apoiadas no Congresso pelo milionário lobby das companhias petrolíferas, as chamadas Sete Irmãs; a onda neoliberal, o chamado Consenso de Washington, cuja maior reivindicação é o fim dos direitos trabalhistas; ou a maior distribuição de lucros aos acionistas da empresa de tabaco Santa (?) Cruz, um motivo econômico para atrair aqueles receosos em investir em um produto que mata milhões de pessoas por ano.

Uma mão do ser que criamos é aquela de que nos falava Adam Smith, a que guiaria a economia. Depois da crise de 1929, do descaso secular das corporações com pessoas e meio-ambiente e da possível crise atual do capitalismo, descobrimos que a outra mão tapa os olhos do nosso monstro. Sem controle popular do mercado mundial, continuaremos dirigindo nessa rua esburacada, guiados com velocidade, em direção a um muro.


¹ Redação com o tema proposto "Ética e Mercado", na qual era necessária a frase "A subordinação dos valores morais à racionalidade econômica".

21 de setembro de 2008

Deus e Deus

Trecho do duplamente fantástico (ótimo e fantasioso) livro Incidente em Antares:

— Eu quisera acreditar em Deus e na vida eterna. Mas não posso. Nunca pude. Mas acredito nesta vida. E como! Tenho esperança num futuro melhor para nossa terra, para o mundo. Quero que meu filho nasça, cresça e viva para participar desse mundo.
— Isso é religião — disse-lhe baixinho. — Você diz que não acredita em Deus, mas vejo que acredita em todos os seus pseudônimos.

O primeiro falante é um defensor dos direitos humanos e da liberdade que foi morto pela polícia que o interrogava acusando-o de comunista; o segundo é um padre defensor dos oprimidos, algo meio Teologia da Libertação.

Quisera eu, como ateu, que o ideário ao redor de Deus fosse mesmo esse descrito pelo padre esquerdista. Deus sendo apenas amor ao próximo, luta por um futuro melhor, paz e direitos aos seres. Pessoa alguma no mundo precisaria escrever um livro propagandeando o ateísmo, pois o efeito do suposto Deus seria algo infinitamente bom, ao contrário da discriminação, separação entre povos e manipulação que ele traz na vida factual.

Aos religiosos: mais Deus, menos religião! E viva a liberdade de crença ou ausência dela.

8 de setembro de 2008

Curiosas

Paradoxo de Fermi
Há muito se especula sobre a existência de vida em outros planetas. Carl Sagan, grande divulgador da ciência, chegou a dizer que fazer contato com vida extraterrestre seria o maior momento da civilização humana. Com a devida licença dos (enganados ou enganadores) defensores das abduções alienígenas, que não parece ser um grupo expressivo no Brasil, ao contrário dos EUA, digo: nunca foi provada a existência de vida inteligente lá fora; muito menos contato conosco.

Por que não? A vida conseguiu surgiu na Terra e não precisou de grandes ou improváveis condições. Bastaram alguns compostos flutuando por aí, somados a uma quantia enorme de tempo livre para se associarem. O Universo é incrivelmente vasto (e isso não é retórica, realmente não cabe na compreensão humana a noção de seu tamanho), só a nossa galáxia possui 400 bilhões de estrelas, cada uma com vários planetas orbitando à sua volta. Ela é uma de inúmeras galáxias. Nós já temos tecnologia para mandar mensagens de rádio ao espaço, esperamos que elas cheguem a alguém, assim como esperamos recebê-las de alguém. Este é o chamado paradoxo de Fermi: se há vida inteligente fora da Terra, como ainda não estabelecemos contato?

Algumas de suas possíveis respostas são: a) Não existe vida inteligente extraterrestre, estamos sozinhos no Universo; b) O Universo é simplesmente grande demais; mesmo que haja vida, as distâncias interplanetárias não permitem contato; c) Com milhares de formas diferentes de vida e planetas peculiares pululando por todo o Cosmos, quem viria aqui?; ou a assustadoramente verossímil d) Nenhuma civilização com tecnologia suficiente para fazer contato sobrevive ao perigo de si mesma — como disse Einstein sobre o ignorante Homo sapiens, "nossa tecnologia está anos-luz à frente da nossa moralidade".

Equação de Drake
Nos anos 60, já familiarizado com o paradoxo de Fermi, o astrônomo Frank Drake propôs uma equação que hoje leva seu nome. Sua equação tinha o nada modesto objetivo de determinar a quantidade de civilizações com que poderíamos fazer contato. Estipulando alguns fatores em uma simples multiplicação de várias porcentagens sobre o número enorme de planetas disponíveis, encontrar-se-ia o número de civilizações acessíveis fora da Terra.

A equação é esta: N = R* . fp . ne . fl . fi . fc . L
Seu significado é, basicamente, que o número de civilizações (N) é o número de estrelas na galáxia (R*) vezes a fração das que contêm planetas (fp), vezes a média de planetas que possibilitam vida (ne . fl), vezes a porcentagem das vezes que essa vida chega a ser inteligente como a nossa (fi), vezes a chance de ter vontade e capacidade de estabelecer contato (fc), vezes — finalmente — o tempo que essas sociedades duram (L).

Naturalmente, muitos valores desta conta são aproximações ou estimativas forçadas. Não temos realmente como saber o tempo que sociedades avançadas sobrevivem; o máximo que podemos fazer é comparar com a nossa, que vive há menos de um século com tal capacidade. Esse fator, então, é o que gera mais controvérsias. Um valor cuidadoso, humilde, gera uma resposta aproximada de 10 civilizações inteligentes convivendo neste momento conosco na Via Láctea. Um valor otimista para L poderia elevar esse número a milhões.

Se, por acaso, ocorreu a você perguntar a função de Deus nessa equação, saiba que assim (supostamente) ocorreu a Napoleão, quando conversava com o matemático e físico Laplace sobre seu recente livro de astronomia, que explicava a gravitação dos planetas. Laplace teria respondido: "Eu não precisei dessa hipótese".

Cumplicidade platônica

Dias atrás, Gabriel García Marquez, prêmio Nobel de Literatura, disse em entrevista: "Eu escrevo para não ter que falar".
Eu também, Gabo, eu também...

29 de agosto de 2008

Amarga

Se todos tivessem seu botão de auto-destruição — quem sabe seu dente falso de cianureto como a velha guarda da KGB —, a humanidade estaria perdida.

24 de agosto de 2008

O movimento dominó

A reunião dos velhinhos na praça para o dominó de cada dia. “Caí em um wormhole¹ e voltei no tempo”. Bom, não exatamente. Ao fundo, a gritaria melancólica da cidade de médio porte no país subdesenvolvido, junto aos prédios de riqueza e modernidade em uma corrida ao céu, provavam que eu continuava nesta época doida.

Ainda assim, o jogo paciente daqueles que abdicaram ao século XXI; um refúgio onde os relógios permaneceram funcionais, contrariando a incansável aceleração dos nossos. Ali, a guerra é paz, como imaginou Orwell²: sua guerra é de minorias, é dissidente; porém, é apenas a calma em seus olhos, a risada verdadeira da piada sobre um político honesto ou o bêbado caricato.

Meu alter-ego revolucionário e engajado captou em um instante o protesto que se via: no coração da cidade, aquele grupo subversivo jogava tranqüilo, conversava sobre trivialidades, sem metas nem horários. E dizem que os jovens é que são rebeldes!


¹Pausa para a ciência: Buracos de minhoca, mais conhecidos como wormholes, são idealizações teóricas — isto é, devaneios não provados de cientistas — que permitiriam viagens no tempo, porque seriam atalhos no espaço, como um túnel por baixo de uma alta montanha, que nos permitiria passar em um tempo muito menor. Grande distância em pouco tempo significa velocidade enorme (v = d/t), até maior que a da luz, proporcionando a possível volta no tempo.

²Pausa para a cultura: George Orwell, no livro 1984, criou uma sociedade extremamente reprimida pelo Governo. Este tinha três lemas: Guerra é paz, liberdade é escravidão, ignorância é força. É uma demonstração do duplipensar, a capacidade de acreditar em duas coisas contraditórias, que livrava o Estado opressor da revolta popular.

23 de agosto de 2008

A luta midiática

A revista Veja publicou, semana passada, uma matéria sofrível sobre a ideologização do ensino no País, abertamente reacionária e panfletária. Aqui: http://veja.abril.com.br/200808/p_076.shtml

Porém, não sei nem se é o caso de ficar irritado com a parcialidade crescente da revista. O que a reportagem nos mostra é, na verdade, os neoconservadores desesperados, clamando aos leitores direitistas da Veja que reclamem nas escolas pela exposição sobre as verdades do que eles defendem. Suas críticas são fraquíssimas, emboladas até. Qualquer estudante ou pessoa interessada nos assuntos atuais pode rebatê-las. É incrível como toda semana ainda lê-se comentários como "agradeço à revista pela imparcialidade e por mostrar a verdade brasileira" etc. etc. Concordando ou não, é impossível defender que suas reportagens são justas! "Leu na Veja? Azar o seu!"

Aqui, algumas respostas interessantes à matéria:
http://www.viomundo.com.br/voce-escreve/o-jornalismo-medieval-de-veja/
http://clioinsone.blogspot.com/2008/08/educao-brasileira-sob-tica-de-veja.html

18 de agosto de 2008

Batalha das citações I

Se Deus não existe, tudo é permitido. (Fiódor Dostoiévski)

Se as pessoas são boas só por temerem o castigo e almejarem uma recompensa, então realmente somos um grupo muito desprezível. (Albert Einstein)

Vitória: Einstein

Deus não joga dados. (Albert Einstein)

Buracos negros mostram que, não apenas Deus joga dados, mas ele às vezes nos confunde os jogando onde não podem ser vistos. (Stephen Hawking)

Vitória: Hawking

A vida seria trágica se não fosse engraçada. (Stephen Hawking)

Vida? Não venha me falar sobre vida. (Marvin, o andróide)

Vitória: Marvin

12 de agosto de 2008

Versinhos do XXI

Nem redshifting, nem ruído de fundo,
Não impedem minha mente símea de duvidar
Que só surfamos na borda de uma explosão singular
Em qualquer canto sem referencial do mundo.

24 de julho de 2008

A decepção de escrever

Escrever é triste. Passo a palavra para quem sabe, Ariano Suassuna:

“Com isso, não quero dizer que, ao escrever a peça, tenha conseguido fazer tudo o que pretendi ao imaginá-la. E quem o consegue? A obra que se apresenta ao público, qualquer que seja ela, é o resultado de duas derrotas: a primeira, porque o artista jamais conseguirá se equiparar à mobilidade, à vida, à riqueza, à contínua invenção da realidade; a segunda, porque depois de inventar sua obra — que não é senão uma tentativa de resposta domada, clarificada e ordenada ao que o mundo contém de feroz, de disperso e selvagem — nunca consegue ele imprimir na obra tudo o que desejou e entreviu no momento da criação".

8 de julho de 2008

“Uma das mais eloqüentes demonstrações da ilusão do self unificado foi dada pelos neurocientistas Michael Gazzaniga e Roger Sperry; eles mostraram que quando cirurgiões cortam o corpo caloso que une os hemisférios cerebrais, praticamente cortam o cérebro em dois, e cada hemisfério pode exercer o livre-arbítrio sem o conselho ou consentimento do outro. Mais desconcertante ainda é o fato de que o hemisfério esquerdo constantemente tece um relato coerente mas falso do comportamento escolhido sem seu conhecimento pelo hemisfério direito. Por exemplo, se um experimentador mostra de relance o comando “Ande” ao hemisfério direito (mantendo-o na parte do campo visual que só pode ser vista pelo hemisfério direito), a pessoa obedece à ordem e começa a sair andando da sala. Mas quando se pergunta à pessoa (especificamente, ao hemisfério esquerdo da pessoa) por que ela acaba de se levantar, ela responde, com toda a sinceridade, “para buscar uma Coca-Cola” — em vez de “eu não sei” ou “tive esse impulso”, ou ainda “vocês fazem testes comigo há anos desde que fiz a cirurgia, e às vezes me induzem a fazer coisas, mas não sei exatamente o que me pediram para fazer”. Analogamente, se for mostrada uma galinha ao hemisfério esquerdo do paciente e uma nevasca ao hemisfério direito, e ambos os hemisférios tiverem de selecionar uma imagem condizente com o que vêem (cada um usando uma mão diferente), o hemisfério esquerdo escolhe uma garra (corretamente), e o direito uma pá (também corretamente). Mas quando se pergunta ao hemisfério esquerdo por que a pessoa como um todo fez as duas escolhas, ele responde alegremente: “Ora, é simples: a garra da galinha é uma parte da galinha, e a pá é usada para limpar o galinheiro”.

“O assombroso é que não temos razão para pensar que o gerador de conversa fiada no hemisfério esquerdo do paciente está se comportando de modo diferente do nosso hemisfério esquerdo quando interpretamos as inclinações que emanam do resto de nosso cérebro. A mente consciente — o
self ou alma — é uma forjadora de interpretações, e não o comandante-em-chefe”.

Trecho do livro “Tábula rasa”, de Steven Pinker.

4 de julho de 2008

O mundo é hipócrita

Por que todo mundo que diz "o problema é a educação deficiente que o povo recebe" — um dos maiores clichês da nossa época — se julga acima dessa afirmação e presume que não foi afetado por essa realidade?

24 de junho de 2008

O ceticismo e aplicações

O que é? Pra que é?
”O mundo assombrado por demônios” é um livro de Carl Sagan, um físico americano conhecido pela série Cosmos — não tão conhecida assim —, que trata principalmente da importância de sermos céticos na nossa vida. Em tempo: ceticismo é não acreditar em nada apenas porque foi dito, é buscar provas e ser fiel a elas. O livro é muito revelador (e eu posso emprestá-lo pra quem quiser).

A princípio, pode não parecer ser um grande ideal, talvez eu devesse estar escrevendo sobre compaixão ou cuidados com a higiene pessoal. Mas eu vejo o ceticismo como peça fundamental se quisermos fazer jus àquilo que sempre repetimos quando alguém tenta nos comparar a simples animais: mas nós somos racionais!

Buscar sempre a verdade e questionar tudo é quase a definição de racionalidade. Esse pensamento crítico é o que nos impulsiona; sem contestação dos pressupostos vigentes nós ainda estaríamos lutando com paus e pedras (embora essa comparação nos leve a pensar em muitas vidas que seriam salvas pela falta de tecnologia). Apesar de termos progredido muito, a verdade é que o ceticismo é muito pouco comum entre as pessoas até hoje. Parece que enquanto tivemos alguns gênios que nos deram tecnologia e ciência, a grande massa continuou parada no tempo.

Compare: enquanto viajamos ao espaço e estudamos partículas nos núcleos dos átomos, a maioria das pessoas acredita que “o pensamento positivo”, de algum modo, “cria uma energia que interfere no que está à sua volta e o Universo aí conspira para realizar seu desejo”. Isso é o que afirma “O segredo”, livro mais vendido no País ano passado. Além disso, temos inúmeros casos de pessoas enganadas por charlatães de todos os tipos: os que oferecem salvação divina, curas milagrosas, dinheiro fácil ou promessas políticas; temos também criadores de lendas urbanas, de teorias conspiratórias... enfim, a lista é enorme. Para não ser enganado, o melhor meio é o pensamento crítico, a aplicação do ceticismo.

A primeira coisa que pensei para exemplificar os privilégios dos céticos foi um tanto óbvia: a contestação da religião. É, no mínimo, o alvo mais fácil para um exame cuidadoso, já que seus dogmas são infundados e, mesmo assim, as religiões têm um grande impacto na sociedade. Porém, isso seria perda de tempo, porque milhares de pessoas já escreveram sobre isso, desde best-sellers a infinitos participantes da blogosfera. Eu vou comentar sobre nosso amor à Nação.

A falácia do patriotismo
Se Nelson Rodrigues tinha alguma razão ao afirmar que toda unanimidade é burra, era no caso da falácia do patriotismo. Qualquer um já presenciou, em uma discussão sobre basicamente qualquer assunto, essa frase proferida: “O problema é que o povo não é patriota! Se as pessoas dessem mais valor ao País, não estaríamos desse jeito”. Pessoalmente, não lembro de ter visto alguém importante contestando essa idéia publicamente; só nos pensamentos de alguns anarquistas. Ora, qual é o grande apelo do nacionalismo?

Vamos analisar racionalmente o que é o chamado patriotismo. Resumidamente, é o sentimento de amor e devoção à pátria e seus símbolos, como a bandeira e o hino. Mas o que são essas coisas? A pátria nada mais é que um pedaço de terra delimitado por um conjunto de linhas imaginárias, que divide as pessoas que antes eram iguais, pois todos nós somos verdadeiramente os mesmos, uma comunidade global de seres com as mesmas características gerais, independente da origem. Durante quase toda a vida da espécie nos organizamos por afinidade ou necessidade, até que alguns déspotas conseguiram governar grandes regiões e criaram as fronteiras, que agora imperam em todo o mundo.
Vale lembrar um estudo, conhecido como Robber's Cave e feito pelo psicólogo social Muzafer Sherif, que com uma equipe de psicólogos fez uma grande experiência com crianças em um acampamento, cujo objetivo maior era entender como a divisão em grupos afeta as pessoas. Resumindo, eles separaram os garotos em dois grupos e perceberam que surgiu uma grande antipatia entre eles, que se tornou cada vez mais expressiva, levando ao ódio e a brigas. Esse experimento é uma das bases da chamada Psicologia Social.

Estudando a História, é fácil perceber a verdade contida nesse estudo. A formação do mundo atual se deu através de sucessivas guerras entre povos com algo que os distinguisse: guerras entre pessoas de locais diferentes, guerras entre pessoas com religiões diferentes, guerras entre pessoas de condições financeiras diferentes. Nenhum ser humano deseja, por si só, morrer em uma guerra. Parece uma afirmação banal, mas um alienígena que chegasse à Terra certamente deduziria o contrário, visto que o globo nunca esteve inteiro livre de guerras. No século XX, não se passou um dia sem que algum humano tenha morrido em uma guerra. O que motiva as pessoas a lutar até a morte é, em boa parte dos casos, o patriotismo; esse sentimento que parece ser tão nobre, que nos faz tremer quando ouvimos críticas à nossa terra. Ele é tão nobre quanto as guerras que causa.

O chamado amor à pátria está por trás de todas as ditaduras por uma razão muito específica: quando todos estão com o patriotismo à flor da pele, tentar criticar o governo é uma heresia sem medida. Hitler bem o sabia! Seus discursos insuflavam em toda a população um grande sentimento de valor à Alemanha, e era isso que os motivava a lutar na pior guerra da Humanidade.

Mesmo se você acha que não se deixaria levar por esses motivos e jura que não odeia os argentinos, ainda há outros motivos para questionar a utilidade do patriotismo, como a verdade. Para muitos efeitos, ser patriota é preferir o que é do seu país só porque é do seu país, ignorando os fatos.
Temos como exemplo a eleição recente do Cristo Redentor como uma das novas 7 maravilhas do mundo. Como assim? O Cristo não é nem o mais belo local do Brasil, que diremos do mundo todo? Fato é que ele foi eleito porque brasileiros se uniram e votaram incessantemente nele, sem ligar para o fato de que ele é simplesmente feio. Inclusive, estou com o ator Paulo César Pereio, que recentemente defendeu a demolição do monumento, mas isso é outra história.

Não é à toa que a instituição que preza tanto o amor à pátria é o Exército. Ele é um reduto ditatorial; as pessoas são obrigadas a se alistarem e obrigadas a jurarem amor à bandeira. Se, por acaso, você discordar disso e não quiser fazê-lo, você perde a chance de estudar em Universidades federais e tirar passaporte, além de outros direitos.

Essa é a razão do ceticismo, é abandonar os velhos conceitos e repensá-los. É freqüente descobrirmos que eles não são tão válidos quanto pareciam, por vezes retrógrados e estúpidos. O passado recebe um valor muitas vezes maior do que merece, e é nosso dever reconstruir as más fundações do passado para progredirmos. Vamos nos livrar dos maus hábitos herdados.



”Patriotismo (...) para quem manda nada mais é que uma ferramenta para alcançar seus objetivos de dinheiro e poder, enquanto para quem obedece significa renunciar sua dignidade humana, razão, consciência e submeter-se aos poderosos. (...) Patriotismo é escravidão.“ (Leon Tolstói)

23 de maio de 2008

Quando a linha tênue some

Em tempos de notícias(¹)(²) sempre muito de acordo com a imoralidade e maldade das FARC, Forças Armadas Revolucionárias da Colômbia, comecei a pensar sobre as linhas entre o certo e o errado na luta por ideais. Explico:

As FARC são grupos que surgiram nos anos 60 e lutavam para instaurar um governo socialista na Colômbia. Resumindo a história para o que me interessa aqui, elas começaram a ficar sem dinheiro para lutar e apelaram para seqüestros e associação com traficantes. Acho que dificilmente alguém vai defender tais táticas como válidas e positivas — embora eu tenha lá minhas dúvidas sobre a validade das informações que a gente recebe; afinal, o pessoal da mídia não é muito fã de movimentos de extrema esquerda. Acontece que seqüestrar civis e lucrar com a venda de cocaína não é legal, isso nos parece óbvio. O ponto de vista deles é de que a sociedade colombiana tinha sérios problemas de desigualdade social, só uns poucos tinham muito dinheiro enquanto a maioria vivia em condições de pobreza e a culpa era do governo e do sistema, então eles resolveram lutar. Isso pode algo justificar os atos deles?

O MST, Movimento dos Trabalhadores Rurais Sem Terra, é um movimento brasileiro que busca a reforma agrária, a redistribuição de terras para todos de modo justo. Bem sabemos que grande parte da terra está na mão de poucos oligarcas, que muitas vezes nem fazem uso da propriedade, mas não querem abrir mão de suas posses para a população que quer produzir. Agora, mesmo considerando a causa justa — como eu a considero —, é preciso analisar alguns modos mais extremos que o movimento usa para militar pela causa: invasão de propriedade e bloqueio de rodovias, por exemplo. À luz da Constituição, essas são infrações da Lei, e infrações devem ser punidas. Não me parece ser a mesma resolução se analisada pela luz do justo e ético.

Outro caso que se mostra muito revelador é a luta contra a Ditadura Militar no Brasil. Assim como nos outros dois exemplos, existia um ideal e as pessoas lutaram por ele contrariando a Lei. Em verdade, esse é o caso que mostra a confusão aqui, pois os militantes da época são considerados heróis hoje em dia e muitos de nossos políticos estavam entre eles, burlando a lei. José Dirceu participou do seqüestro de um embaixador americano(¹); Dilma Roussef era guerrilheira e afirma ter sido torturada(²); a lista de presos ou exilados contém inúmeras personalidades do País(³).

Quer dizer, por que nesse caso as pessoas são louvadas, enquanto FARC e MST são difamados constantemente na mídia? Se não são as leis, se não são os ideais, o que diferencia de verdade esses casos? E não digo só em termos da mídia, que acompanha o poder e também difamava quem lutava contra a Ditadura na época, mas em termos absolutos: como podemos discernir quem está certo nessas questões? O que é um parâmetro confiável? Será que nada feito por humanos merece tanta confiança? E se assim for, que devemos fazer: ignorar injustiças e sermos fiéis às leis vigentes, para não haver confusão ou ignorar as próprias leis e só nos basearmos nos ideais próprios?

3 de maio de 2008

Carta à criação

Aos incríveis seres que transformam estes sinais em pensamentos, exponho meus motivos:

De começo, fiz rodar no infinito o círculo perfeito em que as coisas aconteceriam, que vocês deram o nome pouco didático de tempo-espaço, expandido por matéria. Saibam: todos vocês entendem o que havia antes de, assim, surgir “tudo o que há”. É para o Universo assim como foi para cada um de vocês a eternidade que se passou antes de nascerem — nihil, nada. Como disse Stephen Hawking, que vocês devem conhecer, “perguntar o que veio antes do Big Bang é como perguntar o que existe ao sul do Pólo Sul”.

Com alguns cuidados básicos em fazer cargas, matéria que podia se unir de inúmeras formas possíveis e algumas forças além, tudo isso acabou dando certo. É evidente, porém, que não pensei em tudo isso na primeira tentativa. Foi um trabalho consideravelmente cansativo, com tentativas e pequenos acertos, algo como uma seleção natural de realidades — Universos — para enfim encontrar um resultado interessante. Entendam também que eu não tinha uma meta específica; isso seria fácil, eu posso criar qualquer coisa que imaginar — inclusive este é meu único “super-poder”. Não; fazer o que vocês são foi um projeto aleatório, e por isso mesmo desafiador. Sendo a única força exterior e podendo criar a bel-prazer, a única coisa que eu não conseguia era ver o acaso tirar de mim o peso da decisão. Saliento aqui que isso é apenas uma figura de linguagem para me entenderem; nada tenho com as sensações de vocês, que são apenas táticas evolutivas.

Assim, o tempo avançou: matéria se aglutinou, diferentes junções de cargas se espalharam por todo o espaço e, em seu planeta, começaram a se duplicar. O primeiro grande alerta que tive de meu sucesso foi o dia que sua espécie percebeu todo o processo que dera à luz vocês. É certo, existiram vários pensadores antes, mas suas conquistas eram subjetivas, pequenos fragmentos de verdade. A partir do momento em que compreenderam sua origem, vocês estavam aptos a compreender toda a vida. Era uma questão de tempo. Sobre a chamada seleção natural, é importante mencionar que nada tive com isso. Paradoxais criaturas vocês são; conseguem ver muito com tão pouco, mas não conseguem compreender metade do que vêem. Se dois seres lutam por recursos, um vence e assim faz mais réplicas de si, isso não é uma lei da natureza. Não é um capricho meu. Simplesmente é o que haveria de acontecer, não há segredo nisso. Como poderia a seleção natural não existir? É pura lógica, quem reproduz com mais aptidão vence. Equiparar isso com uma lei como a gravidade é quase um insulto.

Muito foi dito aí sobre mim. Desde o seu crescimento, sempre se especulou sobre meus afazeres e o que era mérito meu. Ora, nada aí dentro é meu. Toda a dança cósmica, qualquer evento que ocorreu ou ocorrerá é simplesmente baseado na natureza e nos seus efeitos quase aleatórios. A minha única participação é indireta, que foi dar início a tal. Dentre todos que falaram sobre a minha pessoa, ninguém sabia! Fui relegado simplesmente a respostas às melhores perguntas, a função de meu nome equivalia a “não sei”. Desnecessário então dizer que não se soube de mim nunca, e nem poderia ser sabido. O que seriam as orações e a fé, senão boas táticas para manter o equilíbrio mental?

Quanto à moral, nada tenho a dizer. Interessa-me muito ver do que vocês são capazes, prefiro seus loucos desvarios à pacata paz. Questões de bondade não me competem, todo o esforço por empatia e solidariedade que vejo em vocês depende só de sua própria vontade, se vocês as julgam tão importantes. Quem sabe provada minha não-interferência, vocês tenham mais sorte nessa busca, visto que as invocações de meu nome de nada serviram nesses longos anos.

Se nada que me interessa está fora do meu alcance, e já criei a aleatoriedade com vocês, seres que dominaram os fatos e agora comandam seu mundo, nada me resta a fazer. Tendo consciência do nada existente de fora, só cumpri meu único desejo em vocês, e agora tudo acaba. Deixarei de existir, e embora isso não faça diferença para vocês, os avisei. Todos os seus poetas sentiriam muito pressentindo eternamente que havia algo e eles nunca o souberam. A eternidade agora é de vocês, que são biólogos e podem entender a si mesmos. O passado foi meu, que fui apenas um físico ao criá-los e nada sei sobre a vida em si.



Do famigerado Deus.

21 de abril de 2008

Chomsky e o poder

Vez em quando, nos acontece algo que muda tudo. Algo que realmente transforma o modo como vemos as coisas e o mundo. É essa a impressão que nos deixa o lingüista e ativista político Noam Chomsky. Por influência de alguns livros de divulgação científica que sempre citavam Chomsky e também por uma matéria da Superinteressante entrei em contato com este gênio.

Chomsky revolucionou seu ramo de estudo, a lingüística, com sua gramática ge(ne)rativa transformacional, que usa matemática para explicar as línguas, mas não é sobre o cientista que quero falar (até porque eu não entendo nada de lingüística mesmo). É sobre o Chomsky militante. Nascido nos EUA, estudou em uma escola progressista onde podia seguir seus interesses, bem diferente de nossas escolas com prazos e regras. Aos 10 anos, escreveu um ensaio sobre a Guerra Civil Espanhola; aos doze já se identificava com ideais anárquicos.

Ao longo de sua vida — ele tem hoje 79 anos — escreveu vários livros sobre as estruturas do poder americano, suas estratégias imorais para manter o poder, o perigo
do neoliberalismo, o modo como a mídia controla as pessoas e outras questões. A princípio, podem lhe parecer coisas enfadonhas, como a mim teriam parecido antes de lê-lo, mas garanto a vocês que não são. A leitura das idéias e ideais de Chomsky nos atinge como tapas na cara, a simplicidade com que ele mostra toda a tirania por trás dos atos dos poderosos chega a ser irritante. Qualquer um que não quer ser uma peça no jogo das corporações dominantes que buscam lucros acima das pessoas deveria ler Chomsky.


No livro “Para entender o poder”, uma coletânea de palestras dadas pelo ativista foram selecionadas para apresentar seus principais argumentos, cobrindo desde os movimentos pelos direitos humanos dos anos 60, das ditaduras patrocinadas pela CIA por todo o mundo, até a falsa democracia americana e a mídia manipuladora. O livro certamente nos mostra que aquela imagem que temos ao estudar a História, de que antigamente o mundo girava pela cobiça e pelo dinheiro, sem se import
ar com as pessoas, na realidade pouco mudou. O que mudou, quem sabe, é o modo como isso é escondido de nós.

Além do mais, não conheço ninguém que tenha o lido e isso é altamente frustrante, por não poder conversar com ninguém, então eu estou emprestando para quem quiser. Como disse uma crítica do The Nation, “Nunca o ter lido é flertar com a verdadeira ignorância”.



12 de abril de 2008

Science easy as a 3,14 (π)

Quem entende a seleção natural? A teoria da relatividade geral? A mecânica quântica? Bom, com certa variação entre cada uma, podemos dizer que boa parte das pessoas não entende tais coisas — inclusive você que diz que o homem veio do macaco.*

Isso certamente não é estranho, não são coisas óbvias, é preciso ler para entendê-las. O que é estranho é que as pessoas não parecem querer entender. Mas os limites do conhecimento humano não interessam o povo em geral? Dificilmente. A ciência traz periodicamente avanços incríveis pra sociedade — coisas que realmente mudam nossa vida —, como a criação das máquinas a vapor que levaram à Revolução Industrial. (Vale comentar que na Grécia Antiga, antes de Cristo, já havia sido criado uma máquina a vapor, mas na época ela era desnecessária porque eles tinham escravos e não recebeu muito crédito.)
Essas evoluções do saber são interessantes. Muito interessantes. Aí que me arrisco a deduzir: as pessoas não tentam entender porque existe uma grande sensação de que são coisas elevadas, complicadas demais para o cidadão comum. As pessoas desistem.

Agora, o que se pode dizer tranqüilamente é que as pessoas não precisavam desistir. E isso porque existe um segmento da literatura dedicado especialmente a isso: divulgar a ciência de modo simples e claro para o leitor que não é especialista. No meio acadêmico, chamam isso de “divulgação científica” — Ok, isso foi uma piada — e grandes cientistas de vários ramos de conhecimento vêm se dedicando à tarefa. Se você tem interesse por astronomia, surgimento do Universo e afins, você pode ler Stephen Hawking ou Carl Sagan. Se você se interessa pelo surgimento da vida e outras questões da biologia, você pode ler livros de Stephen J. Gould e Richard Dawkins. Se quer entender a mente humana, pode ler Steven Pinker. A lista continua.

Além de livros, existem revistas de divulgação científica, como a SciAm Brasil ou a Superinteressante (embora quanto a essa haja controvérsias). Existem documentários muito bons sobre vários assuntos científicos, como os feitos pela BBC. Ou seja, hoje em dia podemos entender a ciência e perceber seus avanços mesmo sem diplomas. E por que não faríamos isso? Quem sabe boa parte das nossas dúvidas filosóficas já estejam resolvidas. Quem sabe perguntas que nunca nos fizemos tenham respostas incríveis. É a impressão que eu tenho. Descubra.



*A história de que o homem veio do macaco é um erro que surgiu da má explicação da seleção natural. O fato é que a nossa espécie e os macacos atuais tiveram um parente em comum, em um passado relativamente recente. Inclusive, pesquisas no DNA revelam que os macacos atuais mudaram mais que nós, ou seja, esse parente antigo parecia-se mais conosco que com os outros símios. Uma bela rasteira nos nossos egos, hein?

5 de abril de 2008

A tristeza de ser o Tonin A.

1995
Trim! Trim!
Tonin Álvares abriu os olhos, mas não sem antes abrir um largo sorriso. Eram 06:30 e era seu primeiro dia na escola “dos grandes” ― leia-se primeira série. Ele estava radiante. Após se arrumar e comer, recebeu o carinho dos pais na saída para o que ele considerava o maior dia da sua vida. Embora eles não conversassem, tinham a mesma preocupação em mente: o que as outras crianças pensariam de seu filho. Tonin A., como o chamavam para diferenciá-lo de seu pai, Sr. Tonin Resende, não era como os outros garotos. Eles não sabiam dizer bem o que se passava, ele se resignava com reclamações e castigos, não parecia importar-se com repressões e o que mais os preocupava, não ligava para o que ninguém falava dele.
Mas seu primeiro dia na escola passou bem, e vários outros juntos. Ou ao menos era o que pensavam os seus pais, até que receberam uma ligação da escola na segunda semana. Ao averiguar a situação:
― Desculpe, senhores, mas a escola, por motivos próprios, acha melhor a transferência do aluno para outra instituição.
― Mas por quê? Qual o problema?
― Entendam, seu filho parece não estar adaptando-se bem ao ambiente escolar. Nada de mais aconteceu, só estamos visando ao melhor interesse do seu filho.
(...)

― Doutor, diga: o que você descobriu?
― Veja bem, fiz boa parte dos testes possíveis, senhora, mas parece que seu filho está muito bem. Todos os níveis estão bons. Não tenho escolha a não ser afirmar que, se ele tem algo, é psicossomático e portanto deveria consultar um psiquiatra.
Tinha sido muito difícil para sua mãe levá-lo ao médico. Não só por ter de admitir que algo realmente se passava com seu filho, mas estar sem idéia alguma dos motivos disso. Nada aterroriza mais o ser humano que o desconhecido.
Quem não via problema nenhum nisso era Tonin. A própria idéia de ir ao médico o excitara, e ele estava muito alegre com a situação. Também estava se divertindo muito na nova escola e não entendia por que seus pais preocupavam-se.
(...)

1999
― Boa noite. ― disse o apresentador do jornal.
Tonin notou, com certa curiosidade, que seu pai não cumprimentou a televisão esta noite. Teve uma súbita vontade de rir, mas controlou esse sentimento. Ele estava em uma fase muito observadora, e já percebera que para ver o que havia de mais sincero nas pessoas, era preciso fazê-las esquecer da sua presença, por isso fingia-se invisível. Seu pai definitivamente estava perturbado com algo. Tonin continuou dando olhadelas furtivas para o pai vez em quando, alternando sua atenção entre seus estudos de antropólogo e seu dever de casa.
Havia já quatro anos que estudava em casa, pelo computador, e habituara-se a fazer seus deveres à noite, antes de dormir. Sua mãe temia que a falta de contato com professores fosse afetar o desempenho escolar de seu filho, mas sempre que o questionava, ele dizia estar muito contente com essa opção, e assim, ela se tranqüilizava, ainda que por pouco tempo.
Mas o garoto era esquisito. Seu pai sabia e sua mãe sabia. Eles viviam na eterna preocupação de não saber bem o que havia com ele, mas percebiam seus modos diferentes.
(...)

2004
Isabel batia à porta. Ao primeiro toque, Tonin sentiu um enorme júbilo; sua namorada estava chegando e seus pais tinham viajado. Ele tinha grandes expectativas para o dia. Mas a expressão da garota não era exatamente a que ele imaginava quando abriu a porta; ela estava chorando. Correu para dentro da casa e se jogou no sofá. Tonin A. sabia, é claro, que algo de ruim devia ter acontecido, mas isso não o aborreceu. Pelo contrário, o acontecimento o trouxe muita alegria. “Só preciso guardar isso pra mim”, pensou ele. E foi ter com a garota.
― How you doing? ― disse, aparentemente achando muita graça nisso.
A menina subitamente parou de chorar e levantou-se. Ela trazia uma expressão muito séria, que qualquer humano e alguns outros hominídeos poderiam reconhecer como raiva.
― Você é um babaca completo. ― Suas palavras soavam como tiros disparados em Tonin. ― Como você pode estar assim, alegre, fazendo graça quando eu entro aqui desesperada? Seu monstro!
Ele havia entregado o jogo muito facilmente. Por dentro, se recriminava duramente, e isso somado às duras palavras de sua garota, causava-lhe convulsões... de felicidade. E o fato de estar feliz a respeito disso, contrariando tudo o que ele conhecia sobre outras pessoas, principalmente as da televisão, poderia até ter o espantado no passado, e o deixado mais feliz ainda, mas hoje em dia ele já tinha aceitado isso e não pensava mais a respeito. Só sabia é que ela estava indo embora e nunca mais voltaria. Seu estômago deu uma reviravolta de pura satisfação.
(...)

2006
Por influência do pai, arranjara um bom emprego em uma fábrica de pregos e o salário ficava para si, uma vez que ainda morava na casa dos pais. Naquela manhã, recebeu uma ligação no telefone recém-instalado do seu cubículo cheio de câmeras para vigiar os trabalhadores da linha de produção.
― Filho, corra já para o hospital Hipócrates, sua mãe teve um acidente!
Tonin foi direto para lá. Encontrou a mãe embaixo de uma infinidade de fios, que a ligavam a inúmeras máquinas. Ela tinha cortado os pulsos e seu estado era grave. O rapaz, por estar em estado de choque, correu para dentro da sala, contrariando os médicos. A mulher, ao ser abraçada pelo filho, foi trazida de volta à consciência. Ela teve um instante de calma e paz, e quando tinha acreditado que tudo daria certo ― por alguma razão a música Imagine tinha vindo à sua mente ―, Tonin se afastou dela e ela olhou no fundo de seus olhos: ela nunca tinha visto uma expressão tão contente na vida. O choque foi grande demais para a mulher, que teve um infarto e morreu.
(...)

Tonin Resende nunca conseguiria perdoar o filho. Em assuntos assim emocionais, nunca ele pensaria do mesmo modo que pensava sobre o filho nas outras questões. Dessa vez, ele não daria um desconto ao rapaz. O rapaz não tinha problemas. Ele era mesmo um crápula. Tonin A. só esteve em casa uma vez após o incidente da mãe. Juntou algumas coisas, todo seu dinheiro e foi chutado para a rua pelo pai descontrolado. A situação poderia parecer ruim para ele, mas ela o levava a um estado de quase nirvana. O rapaz estava indescritivelmente bem.
Alguns meses após tais acontecimentos ― mas não pela expulsão de casa ou pela tentativa de suicídio da mãe, e sim por um filme ―, ele foi levado a ponderar sobre seus modos em relação à vida. Oh, a vida! A doce volúpia de viver. Como ele gostava de tudo isso. E foi por gostar tanto de tudo isso, que resolveu aceitar o conselho que já era senso-comum entre seus conhecidos. Foi a um psicólogo.
Fosse esse doutor competente, teria compreendido a magnitude do indivíduo que aconselhava e estudava, poderia ter escrito um artigo para revistas científicas e tornar-se famoso.
― Tanto o que é bom quanto o que é ruim te deixa feliz. Você só sabe sentir coisas boas. ― Porém, a única conquista do psicólogo foi ter dito essa frase pela primeira vez na história sem estar enganado ou usando-a como instrumento de retórica.
(...)

2026
Ao sair do elevador, sentiu o cheiro bom de comida, que logo o animou. Ao entrar em casa, porém, descobriu que a refeição era em outro apartamento. Encontrou a mulher deitada na cama, dormindo; resolveu não acordá-la. Raciocinando que o dinheiro do almoço era ele quem providenciava, vasculhou sua bolsa para almoçar fora, onde encontrou remédios para depressão. Naturalmente, Tonin A. não entendia por que as pessoas tomavam remédios contra a tristeza, mas sabia que precisava conversar com ela.
Quando voltou do almoço, encontrou-a de pé, muito agitada.
― Você andou vasculhando a minha bolsa? ― Ela tentava parecer irritada, mas estava na defensiva, pois sabia que o marido ia perguntar sobre os remédios.
― Querida, o que está acontecendo? Você está com depressão? ― Tonin queria ser compreensivo, estar com a mulher o deixava muito feliz e satisfeito. ― Por que você não me contou antes?
― Você não sabe... como é... ― De repente, estava ofegante. Percebia que chegara a hora em que ela poderia dizer tudo o que a incomodava há anos. ― Sua vida parece tão perfeita, tudo está sempre ótimo! A pressão que você põe nos outros! Minha vida nunca é boa o suficiente... ― Ela tentava conter o choro.
― Eu sinto muito, mas eu não tenho culpa de nada disso. Não escolhi ser abençoado de tal modo! ― O homem há muito tempo tinha aceitado sua condição e se tornara até muito orgulhoso dela. ― Nunca quis que isso lhe causasse algum sentimento ruim. ― Ele sorria muito e isso a deixava enojada, depois de tanto tempo convivendo de tal modo.
― Eu sei. Também eu não tenho culpa, mas saiba que os remédios me fazem bem, e assim estou bem. Não quero nenhum atrito entre a gente. ― A esposa, com toda a frieza calculista característica das mulheres, estava mentindo. Ela sabia que não poderia viver daquele jeito, mas não agüentaria uma discussão agora, vendo Tonin rir-se, muito alegre com tudo aquilo. Não, ela tomara sua decisão. Apaziguou a briga e o resto do dia correu tranqüilo. Dormiram juntos naquela noite.
Quando ele acordou, no meio da noite, por pesadelos terríveis ― embora muito prazerosos ―, estava sozinho na cama. Colado no espelho, uma pequena carta, podia-se até dizer que era só um aviso. “Desculpe-me Tonin, querido, mas é impossível viver assim, com alguém sempre alegre, independente da situação. A vida é feita de subidas e descidas, e sendo a sua sempre lá em cima, não tinha escolha senão estar sempre embaixo.”
Tonin A. leu aquilo extasiado. Por mais que soubesse que amava a mulher e não queria que ela fosse embora, não podia conter aquela felicidade transbordante em si. Naquele momento ele entendeu a sua vida. Realmente entendeu a situação dos que passaram por ele ― e todos passaram, ninguém restou. Sua alegria não contagiava os outros, ela os deixava miseráveis. Por mais que isso o trouxesse júbilo, ele decidiu que não ia deixar ninguém mais ficar mal por causa dele. Correu para a sacada, e com um profundo sentimento de satisfação, pulou. A queda lhe pareceu sublime. E também o encontro ao chão. Quem o conheceu sabe que, se estivesse vivo, ele teria dito que foi o momento mais feliz de sua feliz vida.

16 de março de 2008

Nosso futuro a longo prazo

Tudo começou quando... bom, não dá de dizer quando tudo começou, mas vamos partir dos escritos disponíveis para analisar as nossas mudanças e nosso rumo. A sociedade passou por várias grandes mudanças, revoluções que transformaram o modo como ela se ajeita. As principais dessas serviram de motivo para separarmos as eras: tomamos por exemplo a passagem para a Idade Contemporânea, marcada pela Revolução Francesa, que foi uma revolta do povo, que não estava contente com a situação que tinham. Meu ponto é esse: todas as revoltas acontecem porque alguém não está satisfeito, sempre a parte oprimida, o povo.

Nossa sociedade atual provavelmente é melhor para todas as pessoas, em média, do que as antigas, mas enquanto existir insatisfação, não estará em equilíbrio, isto é, sempre haverá a possibilidade de uma grande ruptura, uma nova mudança. Para quem está vivendo agora, pode parecer que já estamos em uma sociedade estável que poderia perdurar para sempre sem grandes mudanças, mas assim também deveriam pensar os gregos que tiveram séculos de paz (muito mais que a gente já conseguiu atualmente). Reviravoltas acontecerão sempre que parte das pessoas estiver insatisfeita.

Então como vai ser? Infinitos períodos de dominação e nova quebra? Existe outra possibilidade. Quem já leu Admirável Mundo Novo, imagina do que estou falando. Quem não leu, LEIA. Imagine uma sociedade qualquer (vou tentar não copiar a do livro) em que as pessoas são satisfeitas. Talvez existam classes sociais, talvez não, mas independente disso, as pessoas aceitam seus lugares. Isso poderia acontecer por dominação mental, como forte propaganda convincente, alguma espécie de lavagem cerebral. Essa é a principal chave para o equilíbrio sustentável da sociedade. Talvez as pessoas tenham que trabalhar, talvez não. Os detalhes podem variar, só é preciso, de algum modo, estacionar as coisas. A ciência poderia parar, livros não mais seriam escritos, não seria necessário ter conhecimento histórico nem medições do tempo. A sociedade seria atemporal e, assim, infinita. Alcançando esse estágio, aí ficaríamos para toda a eternidade, até quem sabe o dia em que o planeta encontre seu fim.

A princípio, pensamos “por que isso aconteceria?”. Mas imagine a sociedade como um indivíduo se propagando através dos anos, cada reviravolta sendo uma mutação genética. Já que as revoluções acontecerão sempre que parte das pessoas estiver insatisfeita, elas acontecerão para sempre, só parando se atingirmos a sociedade equilibrada de que falei. Pode parecer muito improvável, mas como o surgimento da vida complexa, terá tanto tempo para sofrer mutações que uma hora resultará no produto final, nesse caso, a sociedade atemporal infinita.

Isso pode demorar milênios, ou quem sabe apenas 100 anos. Não temos como saber. Devemos é aproveitar a imperfeição da nossa vida. O sofrimento nos torna humanos, nos dá a liberdade de decidir. Quando estivermos eternamente felizes, não teremos mais decisões, ficaremos parados. Teremos nos passado a perna, acabado com nosso próprio livre-arbítrio.

23 de fevereiro de 2008

"O conhecimento é em si mesmo um poder". (Francis Bacon)

"Investir em conhecimento rende sempre os melhores juros". (Benjamin Franklin)

E o que dizer, então, de podermos assistir às aulas de faculdades renomadas como MIT, Yale e Stanford de graça? Aprender com alguns dos maiores cientistas da atualidade tendo como único investimento o tempo? É isso que nos proporciona esses tempos modernos.

Recentemente, a revista Veja escreveu uma matéria sobre esse assunto, que pode ser lida aqui: http://veja.abril.com.br/200208/p_082.shtml. Na matéria você encontra os sites para conferir as aulas.

E como funciona? É simples. A aula integral é filmada e disponibilizada na internet, para qualquer pessoa conectada no mundo poder aprender. O que as universidades ganham com isso? Milhares de acessos, causando em vários a vontade de estudar nessas universidades, a satisfação de semear o conhecimento nas pessoas, ajudando a humanidade e a fama de visionárias, talvez, visto que a internet é um meio democrático onde ocorre a troca gratuita de informações e atualmente transita praticamente qualquer coisa que você quiser, desde um cd de axé a uma palestra do Richard Dawkins. É o caminho que o mundo tem tomado, e elas estão se ajustando a isso.

Para experimentar a novidade, fui no site da Yale e assisti a uma aula de 'Introdução à psicologia', com Paul Bloom. Na aula, ao citar que estão sendo filmados para a internet, ele brinca que a iniciativa faz parte de uma tentativa de dominar o mundo. Sendo uma aula introdutória, não é necessário conhecimento algum de psicologia, basta dominar o inglês. Não consigo imaginar nenhum uso melhor da internet. Vale a pena.

E agora, não preciso mais fazer uma faculdade? Naturalmente, só assistir a aulas na internet não vale tanto quanto realmente freqüentar aulas, ter contato com os professores, os livros e com a universidade em si. Além do mais, você não receberá nenhum tipo de diploma. O que importa é o conhecimento em si, o próprio saber. Isso pode não parecer muito para uma maioria, que vai dizer “ah, vou ter aula lá pra nada?”, mas creio que vocês, leitores, não pensem assim: percebem essa oportunidade.

O que diriam todo
s os pensadores antigos e atuais sobre isso? Provavelmente concordariam em como é uma grande idéia. Não há discordância entre eles, todos sabem a grande importância da educação na formação das pessoas e, por conseqüência, da sociedade.
E a nós, cabe aproveitar!

De poeta nem todo mundo tem um pouco

Ah, claro! A aura romântica que acompanha qualquer um que se diz “poeta”... desajeitados, apaixonados, artistas das palavras. Acontece que, ops!, você não sabe escrever!

Crescendo proporcionalmente à difusão do uso dos blogs, uma nova safra de pseudo-poetas adolescentes vem atacando. Munidos com suas belas rimas (o amor é uma dor) e toda a profunda angústia jovem (por que ela não deixa scrap pra mim?), eles escrevem sonetos sobre as estações do ano, sobre o sol e a lua e sobre qualquer coisa abstrata, já que aí fica mais fácil encaixar a riminha no final do verso. Depois é só buscar uma foto como uma criança segurando balões, um pôr-do-sol na praia ou um avô segurando o netinho, tudo direto do gettyimages. Pronto!

Agora é onde você me interrompe: “Qual o problema de alguém tentar fazer poesia? Você acha que alguém nasce sabendo? Você por acaso entende algo de poesia? E você tem um blog para criticar? Temos é que louvar a iniciativa deles.” Onde eu respondo: “Bom, não posso negar que eu mesmo não escrevo, nem entendo muito de poesia. Talvez não tenha sido claro em minha objeção, eu quero é que a suposta nata criativa poética tenha um pouco de autocrítica e perceba que o que eles fazem não chega aos pés dos verdadeiros poetas, e por isso, não devem tratar-se com tamanha dignidade, pois assim demonstram um enorme orgulho de si mesmos – um orgulho despropositado -, e um certo desprezo por quem realmente sabe escrever.”

Isso tudo me lembra da afronta feita a Vinicius de Moraes, que escreveu “que seja eterno enquanto dure”. A frase claramente fala que o amor é passageiro, mas devemos nos enganar a respeito disso. Acontece que o pagodinho cantado por não sei quem, ignorou o sentido do belo verso e diz: “Que seja eterno enquanto dure esse amor e que dure para sempre, que seja abençoado por Deus...” Come on! (E não vou nem entrar na questão “abençoado por Deus” agora, isso é matéria para próximos posts).

Resumindo em um apelo final aos poetinhas: resumam-se a sua insignificância!

E, para coroar, alguém me passa esse site:
http://www.threadless.com/product/548/Shakespeare_Hates_Your_Emo_Poems#top
(Shakespeare odeia seus poemas emos)
Eu quero essa camiseta!

19 de fevereiro de 2008

O (pequeno) príncipe

“Quem quiser fazer profissão de bondade não pode evitar sua ruína entre tantos que são maus”

O príncipe, de Maquiavel, é sem dúvida um dos livros mais influentes na nossa história. Talvez o segundo mais influente, após a Bíblia. Leitura considerada indispensável por 11 em cada dez repetidores de sensos comuns, então me pus a lê-lo.

O livro é de uma honestidade incomum, pois trata das dificuldades do controle e da manipulação do povo como se essas questões não fossem... bem, maquiavélicas.
Percorrendo todas as nuances de ser um príncipe (no caso, um déspota que reina sobre alguma localidade, conquistada ou herdada, como era comum antigamente), de conquistar novos territórios e impedir a população de se rebelar nos seus já conquistados, ele apresenta insights sobre comportamento, técnicas e atitudes.
Não é à toa que a frase “os fins justificam os meios” é (erroneamente) creditada a ele.

Maquiavel afirma categoricamente que o homem é mau, só deixando de sê-lo quando há benefícios para isso. É um dos extremos da compreensão dos homens, onde, curiosamente, parece ser o oposto da visão de O pequeno príncipe, o clássico infantil-para-adultos de
Saint-Exupéry.

Le petit prince é uma leitura muito mais leve (como dificilmente deixaria de ser, tendo sido publicado 400 anos mais tarde), que ao contrário do amoral guia italiano, nos deixa esperançosos e contentes com nossa natureza. O ser humano não é mau, só é levado a ser com maus hábitos adquiridos quando larga a infância. Sim, são livros com propósitos e contextos diferentes, mas que se encontram nessa análise humana. “O príncipe” é lido e cultuado desde antes da Idade Contemporânea; sempre correto, graças à ganância dos “animais racionais”, e é o livro de cabeceira de vários governantes, entre eles o ex-presidente FHC. “O pequeno príncipe” é o livro de cabeceira da Carla Perez. Ainda assim, a mensagem do segundo é mais atraente, quem sabe até nos faça pessoas melhores.

Sei que entre eles, eu escolho “O pequeno príncipe” e iria preferir ter à minha volta pessoas que fizessem o mesmo.

Ps: ainda assim, entro na lista dos que recomendam a leitura de “O príncipe”. Mas recomendo também O pequeno, para aliviar a frieza maquiavélica...


14 de fevereiro de 2008

Geração Coca-cola?

Vamos fazer nosso dever de casa
e aí, então, vocês vão ver
Suas crianças derrubando reis,
fazer comédia no cinema com as seus leis”


Ano 2008. Passaram-se 23 anos do lançamento dessa música e eu não posso deixar de pensar que nada podia estar mais longe da verdade. Vivemos em uma sociedade acomodada, onde os jovens, ex-eternos rebeldes, estão razoavelmente satisfeitos. É evidente que melhoramos, mas mais evidente ainda que o mundo não está “pronto”. Problemas existem inúmeros, mas não é sobre isso que eu quero tratar aqui, e sim sobre a falta de vontade dos jovens de fazer alguma coisa. (“A televisão me deixou burro muito burro demais”?)

Nossa geração não teve uma Grande Guerra, não tivemos Woodstock nem John Lennon cantando “Imagine”. Ninguém nem mais sabe quem foram os beatniks e Che Guevara era um fedido. Então, com o que nos preocupamos? Queremos conhecer famosos? Dinheiro para ir ao shopping? Queremos ficar iguais aos atores do cinema?

”Não! Isso é bom, uma sociedade com estabilidade econômica vai gerar prosperidade, revoluções são um atraso” me diz alguém. Será esse nosso destino? Não haverá mais lutas e todas as mudanças serão graduais, nos afundando cada vez mais nesse status quo? As revoluções serão as novas versões do iPod?

Talvez o instinto dos jovens para mudanças tenha sido reprimido, afinal de contas os rapazes do Nx Zero não são exatamente militantes... ninguém na nossa música atual é. (Desculpa, talvez um ou outro. Mas não estão na grande mídia.) Talvez fazer uma faculdade, conseguir um emprego com salário razoável e ser o orgulho dos pais conservadores seja uma boa perspectiva.

Mas ah! Alguém há de concordar que esse mundo está todo errado. Alguém há de querer algo mais.