31 de outubro de 2008

A efervescência política na América Latina

De 29 a 31 de outubro (de 2008, ano em que estamos) ocorreu a Cúpula Ibero-Americana XVIII. Uma reunião com os chefes de Estado de quase todos os países da América Latina, além dos de Espanha e Portugal, para discutirem as possibilidades da região.

Foi nela que, ano passado, Chávez recebeu o "¿Por qué no te callas?" que ficou tão famoso. Pois bem, neste ano Chávez não compareceu na reunião que aconteceu em El Salvador, alegando que lá corria risco de vida. Até onde notei (e posso estar enganado, pois não costumo ver televisão), o evento não recebeu a devida atencão da mídia — e eu imagino o porquê.

Apesar da ausência do controverso presidente venezuelano, os vários discursos dos líderes foram tão exaltados quanto os de Chávez, em especial o do boliviano Evo Morales, que atacou todo o sistema capitalista, que "agora que está em crise, pede ajuda para salvar-se à custa dos pobres, explorando o homem e saqueando os recursos naturais". Morales ainda afirmou: "pensar em salvar o capitalismo novamente seria um equívoco".

Além dele, as presidentes do Chile e da Argentina, Michelle Bachelet e Cristina Kirchner discursaram contra o neoliberalismo, apontando tal tendência da economia como responsável pela crise atual, além de defender que a não-intervenção estatal no mercado gera desigualdade social e pobreza.

É notório que as maiores nações da América Latina vêm elegendo presidentes com tendências socialistas. Além dos já citados, podemos incluir o bispo paraguaio Fernando Lugo, o equatoriano Rafael Correa e, é claro, Raúl Castro de Cuba. Se Lula cabe nessa lista, eu tenho minhas dúvidas, mas sabemos que ele é um ex-sindicalista de origem humilde e defensor de ideais da esquerda de longa data.

Essa tendência de esquerdização da América Latina nos remete àquela que ocorria no auge da Guerra Fria, que foi criminosamente barrada pela força bruta dos regimes ditatoriais que se instituíram em vários países, sempre apoiados pelos Estados Unidos. Outra "coincidência": há uma aparente nova corrida armamentista.

A tensão no mundo aumenta com a violência do Exército russo na Ossétia do Sul; os planos imperialistas americanos no Oriente Médio, a reativação da Quarta Frota dos EUA que anda rondando a América do Sul e o sistema antimísseis americano no leste europeu; e o grande investimento que Chávez tem feito em armamentos comprados da Rússia — Chávez é um dos maiores opositores da política externa americana.

Vale lembrar que, agora, os EUA estão voltados à grande crise financeira, que tem sido comparada à de 1929, e às eleições que acontecem na semana que vem. Não é necessário apenas considerar se os EUA planejam intervir na política da América Latina, mas também se eles ainda têm poder para fazê-lo. Estamos presenciando um momento-chave da história da região e do mundo. Quais serão os efeitos da crise no sistema político-econômico global? É esta a queda do império americano? A América Latina vai se unir verdadeiramente em torno do ideal socialista? Se sim, isso é uma boa notícia para o povo americano? Acompanhem os jornais!¹

¹: E duvidem de tudo que eles disserem, é claro. Como eu dizia no início do texto, a mídia não deu atenção aos pronunciamentos de esquerda dos presidentes. É sempre bom buscar informações fora da mídia tradicional. Essas informações sobre a Cúpula foram tiradas da Terra Magazine — não exatamente uma mídia alternativa, mas que cobriu todo o evento. Principalmente aqui.

15 comentários:

Anônimo disse...

Próximo passo americano: Forjar um acontecimento.
Segundo: Noticiar massivamente notícias "Venezuela terrorista".
Terceiro: Invadir Venezuela e cassar Chavez.
Zeitgeist, tinha razão!

João Gabriel disse...

Bom chute. Inclusive, o que mais se ouve na mídia brasileira é que Chávez é um ditador. Principalmente naquela revista americana que é publicada em português, a Veja.

Mas vale lembrar que já tentaram tirar o Chávez do poder, com um golpe em 2002, provavelmente patrocinado pelos EUA, e fracassou; o povo foi às ruas e conseguiram retomar o governo.

"A revolução não será televisionada", só procurar no youtube, quem não viu.

João Gabriel disse...

O presidente do Uruguai, Tabaré Vásquez, também é da esquerda, só para completar a lista ali. É que ele não foi à Cúpula.

Feppas disse...

É notório que as maiores nações da América Latina vêm elegendo presidentes com tendências socialistas. Além dos já citados, podemos incluir o bispo paraguaio Fernando Lugo, o equatoriano Rafael Correa e, é claro, Raúl Castro de Cuba.



Raúl Castro eleito presidente pelo povo! como esse tal de socialismo é bom

João Gabriel disse...

Pois é, como é bom. Imagina só, uma ilha desprovida de recursos, isolada criminosamente do mundo por ir contra a vontade americana — opinião da ONU, não minha —, ter um IDH tão acima do brasileiro.

Raúl Castro foi eleito. E, assim como Fidel, tem amplo apoio do povo cubano.

Feppas disse...

amplo apoio de quem não tentou atravessar o mar à nado.

João Gabriel disse...

É, amplo apoio dos 99% que não caíram nas propagandas americanas.

E já falamos disso tudo.

Feppas disse...

Sim. mas eu ainda não acredito em como alguém pode ser socialista. a teoria pode ser linda, eu entendo isso, as com os exemplos de socialismo/comunismo que o mundo teve, é absurdo acreditar que seja um sistema justo. dos líderes mundiais que mais mataram pessoas, eles invariavelmente são: presidentes de países em guerra civil, ou presidentes de países socialistas. stalinismo virou sinonimo de politica rigida e arbitrária, e quando a URSS acabou, fidel nem piscou antes de abrir o mercado

João Gabriel disse...

Mas socialismo da URSS foi ruim, mesmo. Stálin foi ditador, foi autoritário. Eu pareço aqui estar sempre defendendo o socialismo, mas é só porque você tá sempre falando de capitalismo.

A URSS transformou a Rússia de um país agrário e pobre em uma potência forte como os EUA, mas isso não me diz nada. Se lá ocorreu perseguição, se foi militarista, se o povo não tinha voz, eu sou completamente contra isso.

Eu só não acho que precise realmente ser assim. Na verdade, não tem por que imaginar que socialismo só pode viver associado a ditadura, apesar de isso ter acontecido na maioria das vezes. Provavelmente o problema está na tomada de poder: como precisou de uma revolução para assumir o poder, perde-se a continuidade da democracia — e não existe fim que justifique um retrocesso na democracia.

Um bom exemplo de sociedade socialista-anarquista bem-sucedida por anos, com amplo poder popular: a Espanha antes de ser atacada pelos nazi-fascistas (aí fodeu tudo).

Agora, os governos de esquerda da América Latina não são a União Soviética. O mais exagerado, que é o Chavez, tá sendo chamado de ditador porque ele fez um referendo para alterar a Constituição (e dar mais poder pra ele). Isso não é ditadura. Como ele diz, é "socialismo do século XXI", ele e os outros presidentes da esquerda tão rompendo os contratos que deixam as corporações explorar o país, por exemplo. Não é autoritarismo, é bom senso, é governar para os mais necessitados.

Você pode não querer um mundo socialista, e faz sentido, visto onde as tentativas antigas levaram, mas você pode apoiar medidas como a re-estatização das empresas de base, a reforma agrária, a redistribuição de lucros. Isso é bom para os necessitados, e é bom para uma sociedade capitalista também.

Feppas disse...

Eu não sou contra medidas que ajudem os pobres, de jeito algum, eu só não apoio o socialismo, acho que tem que haver algo que estimule a competição. Se eu trabalhando 30 horas por semana vou ter direito à mesma barra de sabonete por mês que meu colega que trabalha 3, por que eu me esforçaria mais?

Eu assisti a uma palestra de um professor de economia da USP, e ele disse que o preço é o que determina quem vai comprar certo artigo (jura?); quem está disposto a pagar mais, é quem fará melhor uso de certa coisa, e isso impulsiona a economia, mas quando a pessoa que vai adquirir certa coisa passa a ser quem aguenta ficar mais tempo na fila, isso perde o sentido, e a economia perde o impulso

João Gabriel disse...

Você não é contra medidas que ajudem os pobres, só não quer socialismo. O PT é assim, por exemplo. Ou a social-democracia (não a do PSocial-DemocrataB, claro). Tipo a Islândia (falida), eles investiam pesado em auxílio aos menos favorecidos.

Sobre o que dá força à economia, isso é provavelmente verdade. Mas em uma sociedade onde todos têm o que precisam, a economia não precisa crescer. Ou lembra da Ditadura: a economia crescia horrores, mas a desigualdade também, a vida não melhorava pelo crescimento econômico. A gente tá imerso nessa cultura de consumo (eu sei que você se contorceu agora), mas essa é a lógica do capitalismo atual, não a lógica do mundo.

Sem prazos, sem competição pelo melhor carro, sem bajular o chefe. Trabalhar menos, deixar as máquinas fazer o trabalho pesado. Dedicar o tempo livre a família, amigos, arte, conhecimento. Aquele clichê todo do "ser mais, ter menos".

Socialismo utópico não quer melhorar a economia, quer dar vida digna a todos, de preferência parando com o consumo inútil, que também agride o planeta.

Feppas disse...

Você disse que eu me contorci por ter dito que a cultura de consumo comanda o mundo e eu consumo muito? É verdade, mas eu não me sinto culpado de jeito algum, compro coisas que me agradam e que eu julgo melhorarem a minha vida, nem que seja numa escala pequena, como o meu iPod, ou você também não gosta do seu?

Se Cuba tem índices de educação e saúde excelentes, a Noruega também tem, e é um país capitalista, que exporta commodities, e investe direito o capital que ganha, a população tem educação e serviços de saúde de graça, e tem dinheiro para consumir o que querem. Aliás, aparece na frente de Cuba no IDH. O problema do Brasil, é que ele tem 180 milhões de habitantes, contra 4 milhões da Noruega e 11 milhões de Cuba.

O governo gasta hoje cerca de 1000 reais em cada aluno da rede pública de ensino (sim, eu li na Super), imagina se houvesse 2, 5, ou 10 vezes menos alunos? A educação brasileira seria modelo para as outras do mundo. A minha opinião é que não se precisa limitar o ganho de algumas pessoas para melhorar o de outras, e sim dar um leque maior para todas.

Em outro trecho da palestra, o professor contou um caso curioso, descobriu-se que havia uma marca x que usava trabalho infantil nos produtos, quando ficaram sabendo disso, os EUA boicotaram a tal marca, pelo bem das criancinhas. O que aconteceu? Todas perderam o emprego, e passaram a trabalhar em pedreiras, se prostituir, e outros empregos piores ainda do que trabalhar na fábrica. O que isso tem a ver com socialismo? Que as vezes algo que tem uma boa intenção acaba saindo mal, e para evitar que isso aconteça, a solução não é tomar decisões pelas pessoas, e sim aumentar seu leque de escolhas. O socialismo não quer o melhor para as pessoas? Por que o Raúl Castro não vai às rádios e diz "Povo de Cuba, quem achar que a vida é melhor em outro lugar, sinta-se a vontade para ir embora, se virem que a vida lá é pior do que aqui, fiquem à vontade para voltar". Ao invés disso, ele é um ditador que toma todas as decisões pelo povo

João Gabriel disse...

Eu disse que você se contorceu porque você defende o consumismo, só isso.

Se houvesse menos alunos, é porque haveria menos arrecadação. Você não pode ter o Orçamento atual com 10% da população, não faz sentido. Tanto um país populoso e um não podem ter boa educação.

Noruega certamente é um lugar bom de se viver, mas isso não é graças ao capitalismo. A Noruega luta para amenizar os malefícios do capitalismo (especialmente o neoliberal), investindo em serviços de qualidade gratuitos, inclusive a educação. O Parlamento norueguês constitui-se de uma maioria social-democrata, partidos da esquerda como o Labour Party. A Noruega tem qualidade de vida porque não vende as empresas pros americanos lucrar.

Esse argumento a favor da exploração é ridículo. Na época da abolição da escravatura, os donos de negros diziam que alforriar os escravos pioraria a situação deles, porque eles não iam mais ter onde morar, enquanto os donos cuidavam deles para eles não morrerem. Comparar uma situação ruim com uma péssima não faz da primeira uma boa.

Um país não precisa de multinacionais para crescer. Se, além da fábrica ter falido, o governo local privilegiasse toda a população, se houvesse reforma agrária ou investimento estatal, as pessoas teriam um emprego digno para viver.

Não sei por que ele não faz isso. Talvez seja por maldade, ou talvez a gente não tenha como saber porque o que se fala sobre Cuba tem um viés ideológico por trás.

Feppas disse...

É claro que foi uma situação hipotética, mas é inegável que administrar um país com menos pessoas é muito mais fácil.

Que argumento a favor da exploração? Eu sou contra crianças trabalharem em fábricas, e você deve saber disso. O professor na ocasião completou dizendo que deveria-se dar um emprego de qualidade aos pais das crianças, para que elas não devessem trabalhar, mas eu achei que isso não ia ser preciso. Pelo jeito me enganei.

A Noruega pode não ser um playground americano, mas está longe de ser um país nacionalista que luta contra a globalização. É um país que simplesmente investe o dinheiro que arrecada de forma correta.

João Gabriel disse...

Tudo bem. Estamos progredindo.

Não sei se é bem uma questão de ser um país nacionalista, muito menos de lutar contra a globalização.

Eu sou totalmente contra nacionalismo no sentido de "um sentimento irracional de amor a um lugar, só porque você nasceu nele". Mas vender empresas de base que foram construídas com dinheiro brasileiro por preço de banana é simplesmente burrice. Não importa quanto o FMI mande. Enquanto o mundo manter essa besteira de países, tem que haver certo nacionalismo econômico para ter prosperidade.

Também a globalização não é ruim em si. A tendência dela é ser boa, eu diria. Aproxima as pessoas, acaba com isolamentos culturais. O ruim é a globalização ser um meio dos países ricos aumentarem a influência e o poder.