8 de julho de 2008

“Uma das mais eloqüentes demonstrações da ilusão do self unificado foi dada pelos neurocientistas Michael Gazzaniga e Roger Sperry; eles mostraram que quando cirurgiões cortam o corpo caloso que une os hemisférios cerebrais, praticamente cortam o cérebro em dois, e cada hemisfério pode exercer o livre-arbítrio sem o conselho ou consentimento do outro. Mais desconcertante ainda é o fato de que o hemisfério esquerdo constantemente tece um relato coerente mas falso do comportamento escolhido sem seu conhecimento pelo hemisfério direito. Por exemplo, se um experimentador mostra de relance o comando “Ande” ao hemisfério direito (mantendo-o na parte do campo visual que só pode ser vista pelo hemisfério direito), a pessoa obedece à ordem e começa a sair andando da sala. Mas quando se pergunta à pessoa (especificamente, ao hemisfério esquerdo da pessoa) por que ela acaba de se levantar, ela responde, com toda a sinceridade, “para buscar uma Coca-Cola” — em vez de “eu não sei” ou “tive esse impulso”, ou ainda “vocês fazem testes comigo há anos desde que fiz a cirurgia, e às vezes me induzem a fazer coisas, mas não sei exatamente o que me pediram para fazer”. Analogamente, se for mostrada uma galinha ao hemisfério esquerdo do paciente e uma nevasca ao hemisfério direito, e ambos os hemisférios tiverem de selecionar uma imagem condizente com o que vêem (cada um usando uma mão diferente), o hemisfério esquerdo escolhe uma garra (corretamente), e o direito uma pá (também corretamente). Mas quando se pergunta ao hemisfério esquerdo por que a pessoa como um todo fez as duas escolhas, ele responde alegremente: “Ora, é simples: a garra da galinha é uma parte da galinha, e a pá é usada para limpar o galinheiro”.

“O assombroso é que não temos razão para pensar que o gerador de conversa fiada no hemisfério esquerdo do paciente está se comportando de modo diferente do nosso hemisfério esquerdo quando interpretamos as inclinações que emanam do resto de nosso cérebro. A mente consciente — o
self ou alma — é uma forjadora de interpretações, e não o comandante-em-chefe”.

Trecho do livro “Tábula rasa”, de Steven Pinker.

Nenhum comentário: