24 de junho de 2008

O ceticismo e aplicações

O que é? Pra que é?
”O mundo assombrado por demônios” é um livro de Carl Sagan, um físico americano conhecido pela série Cosmos — não tão conhecida assim —, que trata principalmente da importância de sermos céticos na nossa vida. Em tempo: ceticismo é não acreditar em nada apenas porque foi dito, é buscar provas e ser fiel a elas. O livro é muito revelador (e eu posso emprestá-lo pra quem quiser).

A princípio, pode não parecer ser um grande ideal, talvez eu devesse estar escrevendo sobre compaixão ou cuidados com a higiene pessoal. Mas eu vejo o ceticismo como peça fundamental se quisermos fazer jus àquilo que sempre repetimos quando alguém tenta nos comparar a simples animais: mas nós somos racionais!

Buscar sempre a verdade e questionar tudo é quase a definição de racionalidade. Esse pensamento crítico é o que nos impulsiona; sem contestação dos pressupostos vigentes nós ainda estaríamos lutando com paus e pedras (embora essa comparação nos leve a pensar em muitas vidas que seriam salvas pela falta de tecnologia). Apesar de termos progredido muito, a verdade é que o ceticismo é muito pouco comum entre as pessoas até hoje. Parece que enquanto tivemos alguns gênios que nos deram tecnologia e ciência, a grande massa continuou parada no tempo.

Compare: enquanto viajamos ao espaço e estudamos partículas nos núcleos dos átomos, a maioria das pessoas acredita que “o pensamento positivo”, de algum modo, “cria uma energia que interfere no que está à sua volta e o Universo aí conspira para realizar seu desejo”. Isso é o que afirma “O segredo”, livro mais vendido no País ano passado. Além disso, temos inúmeros casos de pessoas enganadas por charlatães de todos os tipos: os que oferecem salvação divina, curas milagrosas, dinheiro fácil ou promessas políticas; temos também criadores de lendas urbanas, de teorias conspiratórias... enfim, a lista é enorme. Para não ser enganado, o melhor meio é o pensamento crítico, a aplicação do ceticismo.

A primeira coisa que pensei para exemplificar os privilégios dos céticos foi um tanto óbvia: a contestação da religião. É, no mínimo, o alvo mais fácil para um exame cuidadoso, já que seus dogmas são infundados e, mesmo assim, as religiões têm um grande impacto na sociedade. Porém, isso seria perda de tempo, porque milhares de pessoas já escreveram sobre isso, desde best-sellers a infinitos participantes da blogosfera. Eu vou comentar sobre nosso amor à Nação.

A falácia do patriotismo
Se Nelson Rodrigues tinha alguma razão ao afirmar que toda unanimidade é burra, era no caso da falácia do patriotismo. Qualquer um já presenciou, em uma discussão sobre basicamente qualquer assunto, essa frase proferida: “O problema é que o povo não é patriota! Se as pessoas dessem mais valor ao País, não estaríamos desse jeito”. Pessoalmente, não lembro de ter visto alguém importante contestando essa idéia publicamente; só nos pensamentos de alguns anarquistas. Ora, qual é o grande apelo do nacionalismo?

Vamos analisar racionalmente o que é o chamado patriotismo. Resumidamente, é o sentimento de amor e devoção à pátria e seus símbolos, como a bandeira e o hino. Mas o que são essas coisas? A pátria nada mais é que um pedaço de terra delimitado por um conjunto de linhas imaginárias, que divide as pessoas que antes eram iguais, pois todos nós somos verdadeiramente os mesmos, uma comunidade global de seres com as mesmas características gerais, independente da origem. Durante quase toda a vida da espécie nos organizamos por afinidade ou necessidade, até que alguns déspotas conseguiram governar grandes regiões e criaram as fronteiras, que agora imperam em todo o mundo.
Vale lembrar um estudo, conhecido como Robber's Cave e feito pelo psicólogo social Muzafer Sherif, que com uma equipe de psicólogos fez uma grande experiência com crianças em um acampamento, cujo objetivo maior era entender como a divisão em grupos afeta as pessoas. Resumindo, eles separaram os garotos em dois grupos e perceberam que surgiu uma grande antipatia entre eles, que se tornou cada vez mais expressiva, levando ao ódio e a brigas. Esse experimento é uma das bases da chamada Psicologia Social.

Estudando a História, é fácil perceber a verdade contida nesse estudo. A formação do mundo atual se deu através de sucessivas guerras entre povos com algo que os distinguisse: guerras entre pessoas de locais diferentes, guerras entre pessoas com religiões diferentes, guerras entre pessoas de condições financeiras diferentes. Nenhum ser humano deseja, por si só, morrer em uma guerra. Parece uma afirmação banal, mas um alienígena que chegasse à Terra certamente deduziria o contrário, visto que o globo nunca esteve inteiro livre de guerras. No século XX, não se passou um dia sem que algum humano tenha morrido em uma guerra. O que motiva as pessoas a lutar até a morte é, em boa parte dos casos, o patriotismo; esse sentimento que parece ser tão nobre, que nos faz tremer quando ouvimos críticas à nossa terra. Ele é tão nobre quanto as guerras que causa.

O chamado amor à pátria está por trás de todas as ditaduras por uma razão muito específica: quando todos estão com o patriotismo à flor da pele, tentar criticar o governo é uma heresia sem medida. Hitler bem o sabia! Seus discursos insuflavam em toda a população um grande sentimento de valor à Alemanha, e era isso que os motivava a lutar na pior guerra da Humanidade.

Mesmo se você acha que não se deixaria levar por esses motivos e jura que não odeia os argentinos, ainda há outros motivos para questionar a utilidade do patriotismo, como a verdade. Para muitos efeitos, ser patriota é preferir o que é do seu país só porque é do seu país, ignorando os fatos.
Temos como exemplo a eleição recente do Cristo Redentor como uma das novas 7 maravilhas do mundo. Como assim? O Cristo não é nem o mais belo local do Brasil, que diremos do mundo todo? Fato é que ele foi eleito porque brasileiros se uniram e votaram incessantemente nele, sem ligar para o fato de que ele é simplesmente feio. Inclusive, estou com o ator Paulo César Pereio, que recentemente defendeu a demolição do monumento, mas isso é outra história.

Não é à toa que a instituição que preza tanto o amor à pátria é o Exército. Ele é um reduto ditatorial; as pessoas são obrigadas a se alistarem e obrigadas a jurarem amor à bandeira. Se, por acaso, você discordar disso e não quiser fazê-lo, você perde a chance de estudar em Universidades federais e tirar passaporte, além de outros direitos.

Essa é a razão do ceticismo, é abandonar os velhos conceitos e repensá-los. É freqüente descobrirmos que eles não são tão válidos quanto pareciam, por vezes retrógrados e estúpidos. O passado recebe um valor muitas vezes maior do que merece, e é nosso dever reconstruir as más fundações do passado para progredirmos. Vamos nos livrar dos maus hábitos herdados.



”Patriotismo (...) para quem manda nada mais é que uma ferramenta para alcançar seus objetivos de dinheiro e poder, enquanto para quem obedece significa renunciar sua dignidade humana, razão, consciência e submeter-se aos poderosos. (...) Patriotismo é escravidão.“ (Leon Tolstói)